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Caso Gelman v. Uruguai

Dentre outros aspectos, o caso Gelman v. Uruguai diz respeito à separação compulsória de um bebê e sua mãe, atrelado ao contexto de ditadura militar e perseguição de opositores do governo. Maria Cláudia foi detida arbitrariamente na Argentina e levada ao Uruguai, onde deu à luz a sua filha, Maria Macarena, que foi entregue a uma família uruguaia. A criança foi privada do convívio com sua família natural e, durante muitos anos, sequer soube de sua verdadeira história. 

Esses atos foram cometidos por agentes estatais argentinos e uruguaios no marco da Operação Condor. Essa operação foi uma aliança entre regimes militares da América do Sul que permitia a troca de informações e livre trânsito para perseguir opositores da ditadura no continente.

Aqui, é interessante observar os direitos envolvidos na proteção do núcleo familiar e da criança. Toda a família sofre os impactos do desaparecimento de Maria Claudia, sobretudo Maria Macarena, que foi privada de sua identidade e da convivência com a família natural durante muitos anos. O Caso Gelman v. Uruguai, foi julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Mas, afinal, o que é a Corte IDH? Ela é um órgão judicial autônomo, que faz parte do Sistema Interamericano de Direitos Humanos e tem por objetivo a interpretação e aplicação da Convenção Americana de Direitos Humanos. Sendo assim, a Corte reconheceu o desrespeito à integridade de Maria Macarena e ao direito à verdade sobre a própria história, portanto sofreu graves violações de direitos humanos.

Além disso, a Corte reconheceu a violação à integridade psíquica de Juan Gelman, pai de Maria Cláudia, devido à constante negativa das autoridades estatais em fornecer informações sobre o paradeiro de sua filha. Juan só teve o primeiro contato com a neta 23 anos após o seu nascimento, e, a partir de então, começaram a buscar a verdade sobre o paradeiro de Maria Claudia. 

É claro que o caso se passa em um contexto de oposição política ao governo ditatorial da época, que faz com que seus contornos sejam tratados de forma individualizada. Sobretudo, porque as investigações e punições relativas ao desaparecimento de Maria Cláudia foram obstaculizadas pela Lei da Caducidade, uma lei de anistia uruguaia. Como pronunciamento, Corte IDH determinou que as anistias concedidas pela Lei da Caducidade – que impediram a investigação desse caso – eram incompatíveis com a Convenção Americana em casos de violações de direitos humanos

Porém, para além dessa particularidade, é uma ótima forma de compreender o fortalecimento do núcleo familiar enquanto um mecanismo de proteção à criança. É interessante analisar a questão nos contornos dos direitos humanos, sobretudo no amparo jurisdicional da Corte IDH, porque torna ainda mais evidente o longo caminho a ser percorrido, e a necessária luta pela proteção da família no viés do direito à convivência familiar.

Assim, o Estado deveria investigar, julgar e punir os responsáveis e assegurar que a Lei da Caducidade não volte a ser obstáculo nas investigações e, deve continuar a busca pelos restos mortais ou pela localização de Maria Cláudia.

Infelizmente, casos como esse ainda acontecem. A separação compulsória de mães e bebês envolve muitas violações de direitos humanos, como é percebido no contexto das  Mães Órfãs em Belo Horizonte. Nesse cenário, a Clínica de Direitos humanos da UFMG tem atuado em defesa e apoio a essas mães, oferecendo acesso à justiça e integração com a rede de apoio.

 

Por Rafaella Maria Carvalho Rodrigues

 

Foto retirada do site: NIHD