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A retirada forçada de crianças das tribos Guarani e Kaiowá

Mesmo após trinta anos de vigência da Constituição da República de 1988, que busca resguardar a plurietnicidade, a justiça social e os direitos humanos, prevalece no país o contexto de omissão dos poderes públicos em realizar a demarcação e a fiscalização das terras indígenas. Esse fato afeta essencialmente a existência e a dignidade dos povos indígenas, haja vista a impossibilidade de se reproduzir o correto modo de ser e viver e de prover integralmente a subsistência em áreas restritas como as das reservas.

Nessa realidade em que vigora a violência e o racismo institucionais, uma ocorrência muito constatada é a retirada das crianças indígenas das suas comunidades de origem, em especial das Guarani e Kaiowá das aldeias do Mato Grosso do Sul. Os órgãos do sistema de garantia dos direitos das crianças e adolescentes, alegando resguardar os direitos destas, os retiram de seu seio familiar originário e as direcionam a unidades de acolhimento institucional ou, ainda, as encaminham à adoção por famílias não indígenas, por vezes, sem que seja oportunizada qualquer defesa por seus familiares e sem envio de notificação à FUNAI – Fundação Nacional do Índio. Em última análise, a permanência dessas crianças em meio alheio a sua cultura rompe os vínculos étnicos entre a criança e sua comunidade e revelam uma política de integração social forçada, bem como de supressão das especificidades do modo de vida dos povos indígenas Guarani e Kaiowá.

A retirada forçada de crianças não é uma violência institucional restrita às mães indígenas no Mato Grosso do Sul, ocorrendo também em diversos outros estados brasileiros, como São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Em Belo Horizonte, o afastamento de crianças e recém nascidos de sua família em situação de vulnerabilidade era expresso de forma oficial nas Recomendações nº 5 e nº 6 da 23ª Promotoria de Justiça da Infância e Juventude Cível de Belo Horizonte e na Portaria nº 3 da Vara Cível da Infância e Juventude da Comarca de Belo Horizonte.

Tais práticas, assim como aquelas cometidas contra mães indígenas, são pautadas no racismo institucional e na criminalização da pobreza. Elas apresentam como motivação principal a situação de vulnerabilidade social a qual se encontram submetidos as(os) genitoras(es) e demais membros da família natural e extensa dessas crianças.

Foto: Bruna Batista

Nesse contexto, é válido ressaltar que referida vulnerabilidade é decorrente das reiteradas omissões do Estado frente ao desenvolvimento de políticas públicas adequadas ao desenvolvimento integral de crianças e adolescentes, que garantam o efetivo exercício do direito à convivência familiar e comunitária em explícita consonância com o princípio da prevalência da família natural – todos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Desde 2015, a Clínica de Direitos Humanos da UFMG (CdH/UFMG) incide sobre a temática, elaborando ofícios, pareceres, notas técnicas, bem como atuando jurídica e interdisciplinarmente em casos concretos, por meio de sua atuação em rede, com articulação com outros atores, atrizes e militantes de proteção de direitos humanos, visando à mobilização social e à coordenação de ações estratégicas conjuntas.

Ressaltamos que a CdH/UFMG atua na causa Guarani-Kaiowá, sendo co-peticionária da denúncia protocolada na Comissão Interamericana de Direitos Humanos em relação ao território Guyraroka, formalizada em novembro de 2017, em parceria com a Aty Guasu Kaiowá e Guarani, o Coletivo para o Acesso à Justiça Internacional (CAJIN) e o Conselho Indigenista Missionário (CIMI).