A Clínica de Direitos Humanos da Universidade Federal de Minas Gerais
(CdH/UFMG) e a Coletiva em Apoio às Mães Órfãs, em conjunto com as entidades que
assinam abaixo, vêm publicamente se manifestar em repúdio a um grave episódio de
violência envolvendo a retirada de um bebê de sua mãe durante a noite, quando se
encontravam dormindo em um serviço de Atenção Psicossocial de Contagem, em Minas
Gerais.
Segundo relatos, o Comissariado da Infância e Juventude, em conjunto com a Guarda
Municipal e munido de um Mandado de Busca e Apreensão expedido pela Vara da Infância e
da Juventude da Comarca de Contagem, entrou armado em um Centro de Atenção
Psicossocial Infantojuvenil – CAPSi de Contagem/MG para tomar o bebê de uma usuária
acompanhada pela Rede de Saúde Mental e Intersetorial. A genitora tem uma história de
trajetória de vida nas ruas e no último mês foi obrigada a sair do abrigo do Município em que
residia, com seu bebê recém-nascido. Tal desabrigamento se deu em virtude da inexistência
de abrigos familiares e a impossibilidade de acolhimento de mães acompanhadas de seus
filhos nos abrigos do Município em que se deram os fatos.
Com a ausência de alternativas de habitação para a família, ante as insuficiências do
próprio Estado em garantir-lhes condições materiais mínimas, a genitora e seu bebê foram
acolhidos no CAPSi, em uma demonstração de sensibilidade e preocupação, por parte da
equipe técnica, em proteger os direitos da criança e de sua mãe.
Ocorre, no entanto, que, a pedido do Conselho Tutelar, sob ordem do juízo e com a
permissão para efetuar arrombamento, o bebê foi tomado dentro do CAPSi, no período
noturno, em um contexto de extrema violência dirigida à família e à equipe técnica do
equipamento por parte dos agentes. Reiteradamente, o próprio Estado, que já havia colocado
essa família em situação de vulnerabilidade, ao lhes negar as condições materiais que deveria
garantir, em seguida, submeteu essa mulher e essa criança a outra situação de tamanha
violência.
Condenamos a atuação truculenta durante o referido caso, num episódio
extremamente violento para todos os envolvidos, em especial para a mãe e seu filho, que
ainda foi privado do aleitamento materno, a melhor nutrição para a criança. Trata-se, além
disso, de um reflexo do fenômeno de “retirada compulsória” de bebês que ocorre em toda a
Região Metropolitana de Belo Horizonte e em todo o país. O que se nota é que há uma
ocorrência repetitiva de decisões judiciais pelo afastamento de crianças de forma injusta ou
precoce justificado por motivos discriminatórios – como situação de rua, carência de recursos
materiais e outros, em contrariedade à Constituição da República, à legislação
infraconstitucional e especialmente ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Nesses casos, o Estado se utiliza da situação de desproteção dos genitores para negar
também o direito de cuidar, a exemplo do direito ao cuidado dos filhos – o que, nesse caso,
caracteriza-se também como uma violação dos direitos reprodutivos e sexuais de mulheres
em situação de vulnerabilidade que desejam exercer a maternidade. Atuações como essas, de
profissionais responsáveis pela proteção da infância e da adolescência, tentam justificar o
rompimento do vínculo de mulheres em situação de vulnerabilidade com seus filhos a partir
de hipotéticas “situações de risco” praticadas pela mãe, sem entender, porém, que isso é
resultado de precariedades e violações que decorrem de ações e omissões do próprio Estado,
que não garante condições mínimas para o exercício da maternagem.
Assim, sustentamos que a retirada do bebê no caso acima descrito, especialmente pela
atuação violenta dos agentes do Comissariado e da Guarda Municipal, fere profundamente os
direitos da criança e da genitora, em um processo que culpabiliza a mãe pela própria situação
de vulnerabilidade na qual se encontra.
Alertamos para que os serviços de saúde e assistência social, em uma atuação em rede
e em diálogo com a Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Contagem, continuem a
organizar medidas que contribuam para o estabelecimento de condições e oportunidades para
que a genitora possa exercer a maternagem, bem como defendemos a reversão imediata da
medida aplicada pelo referido juízo, entendendo que o afastamento da criança só produz
novas violações de direitos e que o apoio intersetorial à família de forma a garantir a
convivência familiar é única solução humanamente aceitável!
Belo Horizonte, 15 de dezembro de 2023.
Clínica de Direitos Humanos da Universidade Federal de Minas Gerais – CdH/UFMG
Coletiva em Apoio às Mães Órfãs
REMA – Rede Transnacional de Pesquisas sobre Maternidades destituídas, violadas e
violentadas
Anthera – Rede Internacional de Pesquisa
Cáritas Brasileira
Movimento Nacional da População de Rua
Programa Polos de Cidadania da Universidade Federal de Minas Gerais
Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão Conexões de Saberes da Universidade Federal de
Minas Gerais
Pastoral Nacional do Povo da Rua
Fórum Mineiro de Saúde Mental
Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial (RENILA)
Fórum Nacional dos Direitos da População em Situação de Rua
Frente Mineira Drogas e Direitos Humanos