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Zika e o julgamento virtual em tempos de COVID-19

A ação de controle concentrado de constitucionalidade que trata da epidemia do Vírus Zika no Brasil (ADI 5581) foi incluída na pauta para julgamento no Supremo Tribunal Federal, que se iniciará esta semana, no dia 24/04/2020, em sessão de plenário virtual. A ação ganhou notoriedade no debate público em razão do pleito relativo à legalização da interrupção da gestação de mulher comprovadamente infectada pelo vírus Zika, com base na tese de que se trata da hipótese de estado de necessidade. Entretanto, ela também aborda amplamente a garantia dos direitos sexuais e reprodutivos de mulheres mães de crianças acometidas pela chamada Síndrome Congênita do Zika Vírus e o acesso à saúde a este público infantil.

Após a inclusão da ação na pauta de julgamento, a Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (ANADEP), parte autora da lide, apresentou pedido de aditamento da petição inicial, em 18/04/2020. A petição destaca especialmente a publicação da Lei Federal nº 13.985 em 07 de abril de 2020, que prevê a concessão de pensão especial específica para crianças acometidas pela Síndrome Congênita do Vírus Zika, em aparente complementaridade à Lei 13.301/16, que já regulamenta a destinação de auxílios financeiros e acesso à saúde e assistência a esses casos.

Apesar de a Lei 13.985/20 ter a finalidade de sanar alguns dos conflitos provenientes da Lei 13.301/16, inclusive expostos na própria petição inicial, esta trouxe à tona incongruências que alteram de forma profunda o objeto da lide. Dentre outros aspectos, destaca-se que o caráter vitalício da pensão especial, previsto pela Lei 13.985/20, aparentemente repara o cenário de violação de direitos exposta na petição inicial da ADI em questão. Essa violação ocorre em virtude de a Lei 13.301/16 estabelecer tempo máximo para o recebimento do BPC, nos casos da Síndrome Congênita do Zika Vírus. No entanto, referida lei de 2020 apenas provê prestação de caráter indenizatório, que, além de não possuir natureza assistencial, estará restrita ao grupo de crianças nascidas entre 01 de janeiro de 2015 e 31 de dezembro de 2019. 

Desse modo, percebe-se que a nova lei, instituída através de Medida Provisória apresentada pelo Presidente Jair Bolsonaro e ratificada pelo Congresso Nacional, não tem o intuito de estabelecer uma prestação vitalícia a todas as crianças acometidas pela Síndrome Congênita do Vírus Zika, mas sim, atender, por ora, as famílias que já ajuizaram ações neste sentido. 

Em meio a esse imbróglio, a Ministra Relatora Cármen Lúcia proferiu em 22 de abril decisão, que manteve o julgamento na modalidade virtual e indeferiu o pedido de aditamento da petição inicial, fechando a discussão para os impactos da nova legislação.

E Agora?

Faltando dois dias para o julgamento, portanto, é agravada a complexidade da ação, considerando que a Lei 13.985/20, ao invés de regular a matéria de maneira definitiva, apresentou medidas paliativas, que não sendo discutidas plenamente nesta oportunidade pelo Supremo posteriormente serão objeto de novas controvérsias.  

A inclusão da ação em Sessão de Plenário virtual, após ter sido listada na pauta de julgamento e removida sem justificativas mais de uma vez, também deve ser fator de atenção. Em tempos de Pandemia do COVID-19, é celebrada a produtividade na Suprema Corte, que julgou virtualmente, no último mês, 450 processos, sendo que em 52 deles foram proferidas decisões de mérito, no âmbito de ações de controle concentrado de constitucionalidade. É preocupante, portanto, a quantidade de casos sensíveis que estão sendo pautados de forma simultânea. Isso, além de impossibilitar a discussão dos casos de modo mais profundo entre os ministros, reduz a transparência dos processos de julgamento, e inviabiliza, assim, a mobilização e a participação social em torno do tema.

No caso da ADI 5581, é notório o interesse social presente na demanda, uma vez que a questão gira em torno da obrigação do Estado Brasileiro em prover amplo acesso ao sistema de saúde, à informação, assistência psicológica e ampliação do Benefício de Prestação Continuada às crianças com microcefalia causada pelo Zika Vírus. A ação também perpassa pela discussão sobre gênero, raça, territorialidade e status socioeconômico. Isso porque o Zika mais afeta mulheres negras ou pardas, em situação de vulnerabilidade social e que residem, principalmente nas regiões Nordeste e Centro-Oeste do país.

Neste contexto, foram apresentados 18 pedidos de habilitação de amici curiae por diversas organizações da sociedade civil, que ainda não foram apreciados. Assim, a Sessão de Plenário Virtual é questionável também pelo fato de inviabilizar a participação dos interessados via sustentação oral, considerando que a habilitação tem sido apreciada somente após o início do julgamento. 

Portanto, novas tensões passam a exercer influência sobre o julgamento da ADI 5581, que será decidida por uma via pouco transparente e participativa, tornando mais nebulosas as expectativas sobre seu resultado.

A Clínica de Direitos Humanos da UFMG, em conjunto com a Divisão de Assistência Judiciária da UFMG e o Centro Acadêmico Afonso Pena, protocolou petição de amicus curiae na ADI 5581, abordando esses temas.