A Clínica de Direitos Humanos da UFMG vem se manifestar sobre a suspensão da Portaria nº 03/2016 e a proposta de nova Portaria pela Vara Cível da Infância e Juventude de Belo Horizonte, por meio da Nota Técnica anexa.
Inicialmente, é importante reconhecer os esforços de todas e todos os envolvidos na construção de uma política que garanta os direitos dos bebês, mães e familiares à convivência familiar. A suspensão da Portaria nº 03, que vinha contribuindo para a estigmatização da maternidade vulnerável, é uma vitória das pessoas, entidades e instituições que compõem a rede de proteção e nos traz mais esperança para seguir adiante.
Contudo, após leitura minuciosa da proposta de nova Portaria, é necessário refletir sobre os avanços e também sobre os problemas que a proposta de nova Portaria pode gerar. Se, por um lado, a proposta avança no que tange ao reconhecimento da incompetência do juízo da Infância e Juventude para regulamentar as atividades dos profissionais de saúde e assistência social, o documento, por outro lado, reforça uma série de procedimentos reprodutores de uma sistemática violação de direitos humanos.
A normativa proposta por vezes ignora a preferência que a família extensa possui em relação ao acolhimento institucional e ao encaminhamento de crianças para família substituta, conforme o art. 100 do ECA, e estabelece condições para a participação da família extensa no procedimento, contrariando essa garantia. A proposta também prejudica o contraditório e a ampla defesa, uma vez que não prevê a intimação dos representantes das partes em todos os atos do processo, o que dificulta e por vezes até obstaculiza a defesa processual, promovendo a desarticulação de possíveis medidas em prol da reintegração da criança ao núcleo familiar.
O regramento é, também, problemático ao estabelecer que a guia de acolhimento poderá ser emitida após o abrigamento da criança, em descompasso com o previsto no art. 101, § 3º do ECA, que dispõe que o abrigamento deverá ocorrer por meio da expedição da guia de acolhimento. Ademais, o documento abre margem para a hospitalização prolongada e inadequada de mães e bebês, levando ao entendimento de que a alta hospitalar deverá se dar após avaliação acerca da aplicação de medida de proteção.
A partir do entendimento da necessidade de proteção do ECA e dos princípios constitucionais por ele garantidos, a Clínica de Direitos Humanos da UFMG entende como mais adequada a revogação da Portaria nº 3/2016, sem aprovação de nova normativa. Se a elaboração de novo regramento, ainda assim, for entendida como necessária, é fundamental que sejam convocados todos os atores envolvidos na rede de proteção à criança, à mãe e à família para a construção de um instrumento condizente com as suas demandas.
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